Fonte Racismo Ambiental
Dilma Ferreira Silva, 47 anos, foi assassinada junto a seu marido, Claudionor Costa da Silva, 42 anos, e Hilton Lopes, 38 anos, amigo do casal. O crime ocorreu na própria casa de Dilma, no assentamento Salvador Allende, na zona rural de Baião, de quinta para sexta-feira (22/03/19). Dilma era atingida pela hidrelétrica de Tucuruí e integrava a coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região.
MAB
Segundo as informações colhidas no local, por volta das 21 horas de quinta-feira (21/03), chegaram cinco pessoas em três motos na casa de Dilma, onde funcionava um pequeno comércio. Pouco tempo depois, os vizinhos ouviram música muito alta vindo do local, que permaneceu durante toda a noite, e acharam estranho, pois não era hábito do casal.
No dia seguinte, de manhã, o ônibus escolar foi buscar Dilma, pois ela trabalhava como monitora na escola da comunidade. Ao chegarem ao local, encontraram a casa toda revirada e os três corpos. Eles foram amarrados, amordaçados e, ao que tudo indica mortos a golpes de arma branca.
Aparentemente, ela foi torturada e depois teve a garganta cortada. Ainda não se sabe a motivação do crime, pois, embora o histórico de ameaças na região seja considerável, o Movimento não tinha notícias de que Dilma fosse especificamente ameaçada. A área onde ela morava foi fruto de ocupação, mas já estava regularizada pelo INCRA. A polícia trata o crime como “execução”. Até a tarde deste sábado (23/03), mais de 36 horas após o ocorrido, nenhum suspeito havia sido preso.
O corpo de Dilma foi liberado pelo Instituto Médico Legal na sexta-feira às 22h e trasladado para o Maranhão. O velório e sepultamento ocorreu no final da tarde de hoje, 23/03 em Monte Castelo (MA), cidade de origem da família.
Militantes do MAB de várias regiões do Pará se deslocaram para o local para acompanhar as investigações e prestar solidariedade aos familiares, amigos e as lideranças locais. O Movimento também está articulando uma reunião com o secretário de segurança do estado do Pará, Ualame Machado, para tratar desse caso e demais medidas de proteção aos defensores de direitos humanos no Estado.
De acordo com monitoramento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dilma é a primeira ativista pelo direito à terra a ser assassinada na Amazônia, em 2019.
Mulher, atingida, lutadora
Dilma e sua família foram atingidas pela construção da usina de Tucuruí, a terceira maior hidrelétrica do Brasil em potência, inferior apenas a Itaipu binacional e Belo Monte, também no Pará. A hidrelétrica foi inaugurada em 1984, ainda na ditadura militar. Cerca de 40 mil pessoas foram atingidas nas diversas fases de implementação da hidrelétrica, desde o barramento até a construção das eclusas, já nos anos 2000.
Dilma Silva teve uma vida de violações – mulher, negra, nordestina, migrante, ribeirinha – agravada pela violência da construção de uma grande barragem. Tucuruí se tornou um caso emblemático da destruição causada pelo modelo energético na Amazônia. Ela consta no relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) de 2010, que identificou a existência de um padrão sistemático de violações de direitos humanos na construção de barragens no Brasil. “A usina, quando abriu as comportas, levou o tudo”, afirmou Dilma em entrevista feita em 2011 pelo portal Amazônia.org.
Enquanto Tucuruí produz grande riqueza, muitas das famílias atingidas sequer têm acesso à energia elétrica. A maior parte dos atingidos não obteve qualquer tipo de reconhecimento e indenização e, por isso, estão há mais de 30 anos na luta. É nesse contexto que Dilma se insere na organização das famílias atingidas por barragens. Tucuruí também é um dos principais casos no Brasil de criminalização judicial contra atingidos por barragens que lutam por direitos, com processos envolvendo lideranças da região.
Dilma era coordenadora regional do MAB desde 2005. Em 2011, participou do Encontro Nacional das Mulheres Atingidas por Barragens, que reuniu mais de 500 atingidas em Brasília. Na ocasião, as mulheres do MAB foram recebidas pela presidenta Dilma Rousseff. Dilma Silva foi a responsável por entregar à presidenta a carta com as reivindicações das atingidas, que incluía a criação de uma Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB) e mecanismos de proteção à vida das mulheres da classe trabalhadora.
O assentamento Salvador Allende, onde vivia Dilma, está localizado no km 50 da Rodovia BR-422 (Transcametá), que corta o município de Baião, no nordeste do Pará. O assentamento é fruto da ocupação da fazenda Piratininga, feita em 2011 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Após um despejo feito por pistoleiros, o MAB se juntou ao MST e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) na organização das famílias, que chegaram a ocupar o Incra como forma de pressão.
A área foi reivindicada pelo fazendeiro Renato Lima. Ao constatar que ele não tinha documentação da terra, o INCRA iniciou a negociação para destinar a área para reforma agrária e em 2012 começou a distribuição dos lotes às famílias. Dilma recebeu um lote e passou a se dedicar ao trabalho na agricultura e à organização de um grupo de base no MAB na comunidade.
“O que nos dá força é o Movimento; é a luta para não deixar que aconteça com os outros”, explicou Dilma em entrevista ao portal Amazônia.org em 2011.