Brasil: Impunidade alimenta ciclo de violência contra quem luta pela terra e direitos ambientais no Pará

Resistir é a melhor forma de honrarmos os que deram suas vidas na luta pela terra. Não nos abalemos.

José Vargas Júnior

O Brasil é um dos países mais letais do mundo para ativistas ambientais e defensores dos direitos humanos1. Historicamente, o estado do Pará registrou os maiores índices de violência relacionada a questões agrárias no Brasil; localizado na região amazônica, é o estado mais violento para os defensores dos direitos à terra. Os episódios variam desde despejos de trabalhadores rurais, ribeirinhos ou quilombolas; mineração ilegal, extração de madeira e ocupação de áreas indígenas; destruição de propriedade e ativos; ataques físicos; detenções arbitrárias, criminalização e assassinatos.

Esta semana marcou dez anos desde os assassinatos dos defensores ambientais José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, quatro anos desde o massacre de Pau d’Arco em que foram assassinados 10 trabalhadores rurais e quatro meses desde o assassinato de Fernando dos Santos Araújo, sobrevivente e uma das principais testemunhas do caso do massacre de Pau d’Arco.

No dia 24 de maio de 2011, José (Zé) Cláudio Ribeiro e María do Espírito Santo foram mortos a tiros em uma emboscada por pistoleiros na estrada que levava ao assentamento onde viviam. Ambos eram lideranças locais do Projeto Agroextrativista Praia Alta-Piranheira e há anos vinham sendo ameaçados de morte por aqueles que se opunham ao seu trabalho de denúncia da extração ilegal de madeira e em defesa da floresta. Dois homens, Alberto Lopes do Nascimento e Lindonjonson Silva Rocha foram condenados em 2013 a mais de 40 anos de prisão por envolvimento nos assassinatos. O fazendeiro apontado como autor intelectual do crime, José Rodrigues Moreira, foi condenado a 60 anos de prisão em 2016, mas a polícia do Pará não fez nenhuma tentativa de executar o mandado de prisão; como tal, José Rodrigues Moreira continua um homem livre.

No dia 24 de maio de 2017, no que hoje é amplamente conhecido como o massacre de Pau D’Arco, 10 trabalhadores rurais que lutavam pelo direito à terra, ligados à Liga dos Camponeses Pobres – LCP, foram assassinados por policiais na Fazenda Santa Lúcia. Em 26 de janeiro de 2021, Fernando dos Santos Araújo foi morto em sua casa na fazenda Santa Lúcia. Ele era um sobrevivente e uma das principais testemunhas contra os 17 policiais no caso criminal de Pau d’Arco. Embora as investigações sobre o massacre de Pau D’Arco tenham progredido, nenhuma acusação foi feita contra aqueles que ordenaram a operação, enquanto os policiais acusados foram autorizados a aguardar o julgamento em liberdade e retornar à ativa, alguns deles na mesma região da cidade de Pau D’Arco. Além disso, o defensor de direitos humanos José Vargas Sobrinho Junior, advogado das vítimas de Pau D’Arco, vem enfrentando uma investigação criminal contra ele, considerada por todos que acompanhamos o caso, como uma tentativa de impedir que haja justiça para as vítimas do Massacre de Pau D’Arco.

Em uma declaração em vídeo para marcar estas datas e homenagear os defensores e defensoras, Mary Lawlor, Relatora Especial da ONU sobre a situação de defensores dos direitos humanos, afirmou que “A defesa dos direitos da terra e ambientais nunca deveriam custar a vida de ninguém. A impunidade pelos assassinatos de defensores dos direitos humanos torna o Brasil um lugar muito perigoso para quem defende pacificamente os direitos de outros”.

A impunidade nesses e outros casos no estado, alimenta a violência direcionada contra os defensores dos direitos da terra e ambientais no Pará. As ameaças e assassinatos de defensores dos direitos humanos no Pará são endêmicos às práticas empresariais de mineração, exploração madeireira e pecuária nesta região e, de fato, em todo o país, porque a extração de recursos e o agronegócio são priorizados sobre a vida das populações rurais, comunidades indígenas e quilombolas.

Hoje, enquanto a Front Line Defenders homenageia esses defensores e defensoras que lutavam pela terra e pelo meio ambiente, e se solidariza com suas famílias e comunidades, também renova seu apelo por investigações adequadas e justiça para José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, para as vítimas do Massacre de Pau d’Arco, por Fernando dos Santos Araujo e por todos aqueles que perderam a vida na luta pelos direitos humanos.

Essas poderiam ser apenas histórias de morte, mas são também – e principalmente – histórias de luta”. Leia a declaração da Comissão Pastoral da Terra e organizações da sociedade civil divulgada em 24 de maio de 2021.

1Relatório da Relatora Especial da ONU sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor. Aviso final: ameaças de morte e assassinatos de defensores dos direitos humanos, disponível em https://undocs.org/A/HRC/46/35 e 2020 Global Witness Annual Report . Disponível em: https://www.globalwitness.org/en/campaigns/environmental-activists/defending-tomorrow/