O ano de 2018 tem início com uma notícia brutal. Nas primeiras horas do ano novo, o professor Marcondes Namblá, do povo Xokleng, foi espancado a pauladas no município de Penha, litoral de Santa Catarina. Depois de dois dias internado, Namblá não resistiu aos ferimentos e faleceu. Ele, que era formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vivia na Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, no município de José Boiteux (SC). Namblá deixa esposa e cinco filhos.
A polícia identificou o assassino. Gilmar César de Lima, de 22 anos, teve a prisão preventiva decretada ontem (4/1) após representação da Polícia Civil do estado. O assassino estava com um mandado de prisão em aberto por tentativa de homicídio na cidade de Gaspar (SC) e já teve passagem pela prisão. O criminoso ainda está foragido.
“A gente entrou em choque quando soubemos mesmo o que aconteceu, que ele tinha sido espancado de uma forma tão brutal que chegou a ter traumatismo craniano”, lembra Ana Patté, amiga de Namblá e moradora da TI Ibirama-La Klãnõ. A família e os amigos receberam, inicialmente, a notícia de que Marcondes havia sido atropelado. Ele tinha ido a Penha com outros 12 indígenas com o objetivo de complementar a renda vendendo picolés na praia.
Situação tensa na região
“A finalização do processo de regularização fundiária da TI Ibirama-La Klãnõ está no Judiciário há anos. Enquanto isso, os Xokleng vivenciam inúmeras agressões por parte da sociedade envolvente, além de grande discriminação”, destaca Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. O Alto Vale do Itajaí, onde está localizada a TI, é visto como um lugar de colonização europeia, não como “lugar de índio”, lembra a advogada. “Grande injustiça contra esse povo que habita secularmente a Mata Atlântica da região”.
O delegado Douglas Teixeira Barroco, responsável pelo caso, não acredita na hipótese de que o assassinato tenha tido motivações étnicas. “A princípio a motivação foi por motivo de algum desentendimento, um negócio banal. Depois do ocorrido ele [o assassino] até falou com populares. A princípio o Marcondes teria mexido com o cachorro dele”, diz o delegado. Em um vídeo do momento do crime, o assassino aparece acompanhado de um cachorro. A hipótese da polícia é de que o cachorro tenha avançado em Marcondes, o que gerou uma discussão com o assassino.
“Tiraram nossas terras, nossas histórias, nossos alimentos, nossas matas, e tiram nossas vidas. A gente luta para que isso não fique impune e que não ocorra com mais indígenas, não só no sul do país, mas no Brasil inteiro”, diz Ana Patté.
Ela lembra de casos recentes de violência contra os indígenas no estado de Santa Catarina, como o assassinato de Vitor Kaingang, de apenas dois anos, degolado no colo da mãe na cidade de Imbituba, em dezembro de 2015, e a situação de tensão e ameaças crescentes vividas pelo povo Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis.
Marcondes lutava pela preservação da cultura Xokleng
“O Marcondes, desde jovem, foi uma das principais lideranças [da TI Ibirama-La Klãnõ], independente da função ou da posição”, lembra Nanbla Grakan, primo e professor da vítima no curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC. Um dos principais trabalhos de Marcondes como professor era a revitalização da língua e da cultura Xokleng La Klãnõ na escola indígena de educação básica. Além disso, ele ocupava outra função importante, de juiz, uma das autoridades máximas dentro da TI.
Grakan lamenta outra perda com a morte de Marcondes Namblá. Ele e o primo tinham o projeto de criar uma Academia de Letras da Língua Xokleng com o objetivo de ampliar os registros da língua, cujo número de falantes diminuiu bastante nos últimos vinte anos. Grakan é pioneiro no estudo da língua Xokleng que, até os anos 1990 e o trabalho do professor, era ágrafa.
A partir de 1992, por iniciativa de Grakan, o ensino da língua passou a ser incorporado nas escolas da TI Ibirama-La Klãnõ. Ele ainda não sabe como vai continuar a tocar o projeto sem a ajuda do primo, que tinha planos de fazer o mestrado na área de linguística e já era um dos principais estudiosos da língua e da cultura Xokleng.
“Ele era um grande ativista, um grande lutador e amigo de todos. Ele era um amigo para todas as horas”, recorda Ana Patté, que também foi colega de Marcondes na UFSC.