Fonte – Iniciativa Global Contra o Crime Transnacional
Como a Global Initiative (Iniciativa Global) vem reiterando com a campanha #AssassinationWitness, dentro do fenômeno de assassinatos seletivos há um tema que merece atenção particular. Defensores do meio ambiente e ativistas ambientais estão entre aqueles que mais frequentemente são alvo desse tipo de crime. Familiares e entes queridos de Zezico Rodrigues Guajajara, dividem as memórias do comprometimento de Zezico como líder e defensor dos direitos dos povos indígenas na Amazônia, bem como seus receios em relação ao futuro da comunidade.
Em 31 de março de 2020, o líder indígena Zezico Rodrigues Guajajara, professor, defensor dos direitos dos povos indígenas, e da floresta Amazônica, foi alvo de uma emboscada quando retornava para a sua aldeia, Zutiwa, em uma motocicleta no município de Arame, Maranhão, região nordeste do Brasil. Ele foi morto com um tiro de espingarda, um dia depois de assumir a chefia da Coordenação dos Caciques e Lideranças da Terra Indígena Araribóia (Cocalitia).
Como membro dos Guardiões da Floresta — um grupo de indígenas que se dedicam a monitorar e fiscalizar o território a fim de coibir práticas ilegais — e diretor do Centro de Educação Indígena Azuru, Zezico raramente andava desacompanhado. Estava sozinho recentemente porque vinha recebendo ameaças e pediu aos seus companheiros para não o acompanharem mais, pois não queria colocá-los em risco também.
‘Tudo começou em 2016, quando começaram a fazer tocaia para ele’, conta Paulino Zutiwa, cacique da aldeia, marido de uma sobrinha de Zezico e amigo pessoal de longa data do professor. ‘Depois que as ameaças começaram mesmo a apertar e ele viu que não ia escapar, ele falou para nós assim: “A partir de agora eu não quero que vocês andem mais comigo porque a qualquer hora eu posso morrer e não quero envolver vocês nisso daí, não”’.
Paulino conta que, desde a morte de seu amigo, as coisas não têm sido fáceis na aldeia e ele mesmo já denunciou ter recebido diversas ameaças à polícia. Além da perda de uma grande liderança, todos também sentem tristeza pela ausência de uma pessoa amiga, alegre e que estava sempre lutando pelo bem coletivo. Foi graças a ele, segundo o cacique, que a comunidade conseguiu ter escola, enfermaria, associação, professores, médicos e outros agentes de saúde.
Nos meses anteriores à sua morte, as ameaças se tornaram mais frequentes, e os seus filhos mais velhos vinham sugerindo que ele deixasse a aldeia e se mudasse para a cidade. ‘A gente avisou tanto. Mas, para ele, era uma coisa bem maior. Para ele, eu acho que a vida dele, ele podia perder a vida, mas a causa dele era maior do que isso’, diz André Vinícius.
Essa problemática não é nova. O Brasil é notoriamente conhecido por ser um dos países mais perigosos para ambientalistas do mundo e por apresentar as maiores taxas de assassinatos de defensores de direitos indígenas. De acordo com a Global Witness, 90% dos assassinatos desse tipo no Brasil acontecem na região Amazônica. A Comissão Pastoral da Terra anunciou que em 2019, 32 pessoas foram assassinadas no contexto de conflitos por terra, o que representa um aumento de 14% em relação ao ano passado.
Estes assassinatos estão repetidamente ligados a redes e organizações criminosas que utilizam a violência e a intimidação para promover seus interesses ilegais e alimentar o desmatamento da floresta amazônica brasileira. A extração ilegal de madeira da floresta tropical, que é majoritariamente localizada no território brasileiro, é comumente levada ao cabo por organizações criminosas que tem a capacidade de coordenação, processamento e venda dos produtos frutos dessa atividade. Para atingir esse objetivo, eles recorrem a intimidação, violência – e, em último caso, a assassinatos.
A Terra Indígena Araribóia, localizada em uma parte da floresta tropical brasileira que foi substituída principalmente por fazendas de gado, não escapou desta prática sistemática. Ela continuadamente é alvo de ataques por parte de madeireiros que espalham temor pelas comunidadse. Entre o início de novembro de 2019 e o final de março de 2020, cinco indígenas Guajajara foram assassinados no Maranhão. Após a morte de Zezico, segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, indígenas que eram próximos a ele também foram ameaçados.
Desde que o Presidente Bolsonaro assumiuem janeiro de 2019, em uma campanha que incluiu a promessa de maior exploração das terras amazônicas para fins de mineração e agricultura, a situação para defensores da terra e dos direitos indígenas se deteriorou. A agenda anti-ambientalista do governo inclui o relaxamento da fiscalização ambiental e a adoção de uma postura crítica em relação àqueles que se colocam na linha de frente da preservação da floresta. Isso cria uma atmosfera de medo que pode estar encorajando mais ataques a defensores de terra e suas comunidades.
A impunidade também é um fator que contribui para esse tipo de assassinato. Poucos casos são resolvidos e os mandantes raramente são levados à justiça. Passados alguns meses do assassinato de Zezico, dois suspeitos foram detidos, mas enquanto as investigações continuam, não está descartada a participação de outras pessoas. Uma das principais suspeitas é a de que o assassinato tenha sido motivado por conflitos internos da aldeia desencadeados por fatores externos, notadamente pessoas e grupos interessados em explorar ilegalmente os territórios indígenas. As suas táticas parecem envolvem o aliciamento de alguns integrantes daquela comunidade, jogando-os uns contra outros.
Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), acredita que uma quadrilha está por trás do assassinato e descreve como esses grupos operam. ‘Os movimentos desses caras são muito bem articulados, e eles também são articulados,’ ele diz. ‘Desde aqueles que vão para o mato, aqueles que ficam retirando a madeira lá dentro da terra indígena, aqueles que retiram a madeira, os que dirigem trator, os que vigiam, os que preparam a comida e os que vão caçar, todos envolvidos em uma cadeia ilícita de atividades. E os empresários são aqueles estão por tras dessas operações’.
Em algumas áreas, incluindo a Terra Indígena Araribóia, não indígenas ligados à madeira ilegal têm se casado com mulheres indígenas e se sentido no direito de desafiar as dinâmicas das comunidades, entrando em choque com as lideranças e criando rivalidades. Essa era uma fonte de preocupação constante para Zezico.
De acordo com Silva, o ativista vinha opondo-se à presença de não- indígenas nas aldeias, temendo que a invasão fosse ameaçar os s territórios indígenas por conta da retirada da madeira e da caça ilegal. ’Foi um exímio defensor do seu território Amazônico. E graças a Deus e às suas denúncias que ele fazia, conseguiu chamar atenção para a proteção do território. Sua preocupação era preservar o território para as novas gerações.’
A situação dos defensores de direitos humanos é alarmante em diversos outros países. De acordo com o estudo divulgado pela Global Witness, 2019 foi o ano mais mortal para defensores da terra e do meio ambiente: 212 pessoas foram assassinadas por se insurgir contra a exploração de recursos naturais e por defender suas terras. Entre os piores países do ranque estão as Filipinas, onde defensores da terra tem sido taxados como criminosos políticos, e a Colômbia, que teve um pico de assassinatos em 2019 – o número praticamente dobrou em relação ao ano anterior. Em um mundo em que a pandemia do COVID-19 exacerbou incertezas e inseguranças, a Global Initiative reitera seu chamado para a comunidade internacional passar a enxergar o fenômeno de assassinatos seletivos, utilizados por grupos criminosos como forma de coerção e controle, de forma global e, no caso do Zezico, para silenciar aqueles que estão lutando por um mundo mais seguro e sustentável.